terça-feira, 16 de agosto de 2005

A propósito de Justiça

"Sabei primeiramente, que isto de Justiça é cousa pintada, e que tal mulher não ha no mundo, nem tem carne, nem sangue, como v. g. a senhora Dulcinéa del Toboso, nem mais, nem menos; porém como era necessario haver esta figura no mundo, para meter medo á gente grande, como o papão ás crianças, pintaram uma mulher vestida á tragica, porque toda a justiça acaba em tragedia; taparam-lhe os olhos, porque dizem, que era vesga, e que metia um olho por outro; e como a Justiça havia de sahir direita, para não se lhe enxergar esta falta, lhe cubriram depressa os olhos. A espada na mão significa que tudo ha de levar a espada, que é o mesmo, que a torto, e a direito. Os doutores, que fallam nesta matéria, não declaram se era espada colobrina, loba ou de soliga; mas eu de mim para mim entendo, que desta espada a folha era de papel, os terços de infantaria, os cópos de vidro, a maçã de craveiro, e o punho secco: na outra mão tinha uma balança de dous fundos de melancia, como a dos rapazes: não tem fiel nem fiador; mas com tudo dá boa conta de si, porque esta moça, se não tem quem a desencaminhe é mui sisuda."
António José da Silva (O Judeu)
"Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança "

2 comentários:

Ricardo Nascimento disse...

E há tantos a desencaminhá-la, acrescento eu.....

Anónimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado