terça-feira, 30 de janeiro de 2007

A JUSTIÇA NÃO É UMA ILHA ISOLADA

"Pensar que, se fosse mais célere, a Justiça portuguesa não tinha problemas é falso. A morosidade do sistema é o mais visível de vários constrangimentos, que exigem uma resposta pragmática. O Pacto para a Justiça traduz um “clima favorável” à mudança...

Carla Teixeira in O PRIMEIRO DE JANEIRO

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, o magistrado do Ministério Público João Aibéo, e o professor universitário e coordenador da edição 2006-2007 do Curso de Aptidão ao Centro de Estudos Judiciários da Universidade Católica Portuguesa, Paulo Rangel, foram os três convidados da iniciativa «Justiça em Debate», dinamizada, anteontem à noite, no Grande Hotel do Porto, pela Associação Jurídica do Porto, com moderação da advogada portuense Filomena Neto. A reunião, anunciada como um jantar-debate às 20 horas, não foi aberta à Comunicação Social antes das 22h45, tendo a presença de O PRIMEIRO DE JANEIRO (o único presente) sido limitada à primeira parte, centrada nas intervenções, e vedada ao confronto de ideias entre os cerca de 80 convidados, tendo também o presidente da direcção da APJ, Paulo Duarte Teixeira, recusado prestar declarações.
No arranque dos trabalhos, a moderadora deu a palavra a Noronha do Nascimento, que elegeu a morosidade do sistema judicial como pano de fundo de uma incisiva alocução. Puxando dos resultados de um estudo recente da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça (CEPEJ), que invariavelmente coloca Portugal num nível de desempenho abaixo do da generalidade dos países analisados, o juiz-conselheiro começou por dizer que “a assunção de que, quanto melhor funcionarem os tribunais, melhor será a produtividade económica de um país”, na medida em que “os tribunais fazem parte da sociedade, e funcionam melhor se ela funcionar bem”. Considerou, no entanto, que em Portugal o principal problema é a “canibalização dos tribunais”, hoje chamados a resolver conflitos que não se punham (acções de seguradoras, bancos e empresas de telecomunicações e de televisão por cabo, entre outras), acções cíveis que “enchem os tribunais e aumentam o tempo de resolução dos processos.
Citando o exemplo do «Caso Dutroux», um processo de pedofilia julgado na Bélgica ao fim de 7,5 anos de prisão do arguido, Noronha do Nascimento lembrou que “há países que criaram secções especiais para determinadas acções, evitando empancar o sistema”. A carga de acções de dívida também torna incontornáveis as pendências e a morosidade processual, sendo de constatar a divisão do nosso país, com base na dicotomia Litoral/Interior, em “dois mapas judiciários completamente diferentes”. O juiz-conselheiro admitiu que “os tribunais do Trabalho respondem bem, os cíveis não”, acrescentando que nas instâncias criminais de Lisboa e do Porto “há gente a mais”.

“Código excelente”
João Aibéo vincou que “o Código Penal português, não sendo modelar, é excelente”, questionando-se sobre a razão “por que não corre bem”. Crítico da exagerada mutabilidade das leis (o nosso Código Penal, de 1997, leva já 14 alterações, estando em curso a 15ª), citou Costa Andrade para, como o penalista, considerar que “em vez de alterarmos a lei, devíamos exigir que ela fosse aplicada”. Na opinião do magistrado do Ministério Público, “a Justiça não é uma ilha isolada”, pelo que, “sem a reforma da Administração Pública, não emergirá como tal”. Frisando que “é nas coisas simples” que reside parte da solução, considerou que “o Pacto para a Justiça traduz um clima favorável”, preconizando a decisão da admissão/nulidade de provas antes do início de qualquer julgamento, para não dar ao juiz responsável um “saber proibido”, e reputou como “absolutamente essencial a criação do gabinete do juiz”.
Paulo Rangel explicou que os “quatro problemas principais” da Justiça em Portugal oscilam em torno dos conceitos de “morosidade, simplificação processual, responsabilização e recursos”, asseverando que “é falsa a ideia de que, se a Justiça fosse célere, não havia problemas”. Porque os tribunais “são hoje chamados a regular matérias sociais que antes não lhes competiam”, a solução passará por um “aumento da legitimação democrática dos tribunais e por uma formação mais aberta”, com “maior arejamento” e mais competências para os juízes."

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