A AFO - Associação Forense do Oeste, liderada pela juíza presidente do Tribunal das Caldas da Rainha, Isabel Baptista foi mandatada no II Encontro Nacional de Associações Jurídicas, realizado em Braga no dia 15 de Outubro de 2005, para solicitar ao Presidente da República, ao Provedor de Justiça, ao ministro da Justiça, à Primeira Comissão da Assembleia da República, reuniões para apresentar a "Carta de Defesa dos Cidadãos na Administração da Justiça".
A Direcção da Direito em Debate - Associação Jurídica do Porto foi contactada pela Exma. Sr.ª Dr.ª Isabel Baptista no sentido de expressar a sua opinião sobre o presente documento. Neste sentido, consideramos que a presente Carta de Defesa do Cidadão na Administração da Justiça é uma manifestação inequívoca do contributo das Associações Jurídicas e Forenses para a dignificação da Justiça, sobrepondo-se a quaisquer interesses pessoais ou corporativos. Por conseguinte é com muita honra que a Direcção da AJP subscreve na íntegra o teor desta Carta, cujo teor publicamos:
"Carta de Defesa dos Cidadãos na Administração da Justiça"
Preâmbulo
Nos termos da Constituição da República Portuguesa a Justiça é administrada pelos Tribunais em nome do Povo Português, sendo reconhecido aos cidadãos o direito a tomar parte em todos os assuntos da vida pública como manifestação de um verdadeiro dever cívico.
A administração da Justiça é, no quadro do Estado de Direito Democrático, um serviço público vocacionado para a defesa dos direitos e garantias individuais, que deve ser prestado com a adequada qualidade aos cidadãos que a ele recorrem por instituições que, inseridas num sistema integrado de resolução de conflitos, garantam uma solidariedade social efectiva.
As associações jurídicas e de profissionais forenses estão cientes de que o direito dos cidadãos a uma boa administração da Justiça se sobrepõe a equívocos interesses pessoais ou corporativos dos seus associados.
Conscientes de prosseguir o urgente interesse nacional numa melhor Justiça, mais participada, responsável e solidária, deliberam aprovar a presente Carta para a Defesa do Cidadão na Administração da Justiça, contendo um ideal comum cujos princípios devem ser prosseguidos, aplicados e desenvolvidos por todos os indivíduos e entidades envolvidos na tarefa de administrar a Justiça.
1. Direito à Informação
a) Todos os cidadãos têm direito a receber, em tempo oportuno, informações adequadas, compreensíveis e completas por parte dos diversos agentes de administração da Justiça acerca de tudo quanto respeite ao exercício dos seus direitos, nomeadamente sobre a tramitação e prazos processuais, bem como sobre as consequências da sua inobservância e respectivos custos.
b) O direito à informação significa, além do mais:
- o direito a usufruir, no interior dos edifícios dos Tribunais, de gabinetes de atendimento ao público, com a função de informar, orientar e apoiar os cidadãos nas suas relações com a Justiça;
- o direito a obter cópia dos termos do processo desde que tal não represente violação de segredo de justiça;
- o direito à comunicação dos actos e decisões em linguagem clara e perceptível para o cidadão, designadamente sobre as condições e prazos de recurso ou da sua impugnação, devendo tais actos e decisões ser legíveis sempre que manuscritos;
c) Constituem práticas e comportamentos a evitar:
- a falta de informação sobre o acesso aos diversos meios de tutela jurisdicional, sobre a possibilidade de escolha entre eles e sobre os custos do procedimento;
- a inexistência de um local, serviço ou instrumento destinados a prestar as informações que se revelem necessárias;
- a inexistência em locais acessíveis ao público de modelos de requerimento a utilizar directamente pelos próprios interessados, quando o possam fazer.
- a recusa por qualquer agente ou serviço a prestar as informações que lhes sejam solicitadas;
- a falta de informação por parte das autoridades judiciárias e dos órgãos e autoridades de polícia criminal às vítimas de crimes ou a quem seja submetido a um processo penal em relação ao desenrolar do procedimento, em matérias que não estejam abrangidas pelo segredo de justiça e ao modo do exercício dos seus direitos;
- a falta de informação detalhada por parte dos mandatários forenses aos seus constituintes sobre o desenrolar dos procedimentos;
- a falta de identificação visível dos funcionários dos serviços de administração da Justiça, excepto quando a identificação coloque em causa a segurança das pessoas envolvidas;
- a omissão ou ilegibilidade da identificação do agente ou entidade que profere a decisão ou é responsável pelo acto comunicado ao cidadão;
- a falta de adequada sinalização exterior relativa à localização dos edifícios dos Tribunais e, no seu interior, a falta de sinalização dos diversos departamentos.
2. Direito ao respeito
a) Todos os cidadãos têm direito, no relacionamento com os serviços de administração da Justiça, a ver respeitada a sua dignidade e a não serem sujeitos a práticas e comportamentos lesivos da sua integridade física, psíquica, moral ou social.
b) O direito ao respeito significa ainda:
- o direito à reserva, em especial em relação à identidade das pessoas envolvidas, em qualquer fase da tramitação processual;
- o direito à privacidade na audição das partes, nomeadamente na área de família e menores.
- o direito a ser tratado por todos os agentes da administração da Justiça de modo cortês e respeitador da sua dignidade pessoal;
c) Constituem práticas e comportamentos a evitar:
- o adiamento de actos para os quais os cidadãos foram convocados sem que lhes seja claramente explicada a razão para esse facto;
- a falta de cumprimento dos horários previamente estabelecidos para as diligências;
- os comportamentos injustificadamente autoritários por parte dos magistrados e funcionários judiciais;
- a falta de resposta atempada às legítimas pretensões apresentadas pelos cidadãos, incluindo a falta de resposta por parte do advogado às solicitações do seu constituinte;
- a insensibilidade para com a vítima nas várias fases do procedimento obrigando-a a reviver desnecessariamente episódios traumatizantes;
- a submissão a qualquer tipo de vexame sobre quem é sujeito a um procedimento penal, incluindo a difusão da sua identificação através da comunicação social durante a fase de inquérito criminal.
3. Direito ao Acesso
a) Todos os cidadãos têm direito a não ser discriminados no acesso à Justiça em razão da sua condição económica, social ou cultural.
b) O direito de acesso à Justiça significa, além do mais:
- o direito à possibilidade de efectiva utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos;
- o direito de as associações de consumidores ou de defesa de interesses colectivos poderem intervir em juízo em acções colectivas não limitadas à tutela anulatória.
c) Constituem práticas e comportamentos a evitar:
- a existência de procedimentos burocráticos que limitem o recurso ao apoio judiciário e a falta de controlo dos procedimentos de concessão de apoio judiciário por parte da entidade competente;
- a não redução das custas nos processos com reduzida actividade jurisdicional;
- a existência de obstáculos económicos e organizativos levantados à interposição de recursos, nomeadamente através do valor das custas a suportar, da desproporcionada elevação do valor das alçadas ou de complexos procedimentos;
- a sujeição a injustificáveis esperas e a repetidas deslocações ao mesmo ou a outros serviços, por idêntico motivo.
4. Direito a infra-estruturas adequadas
a) Todos os cidadãos têm direito a que as infra-estruturas afectas aos Tribunais e aos serviços de administração da Justiça sejam dignas e funcionais no que respeita à higiene, à localização e à logística, ao mobiliário, ao número de salas e às acessibilidades, inclusive para pessoas portadoras de deficiência.
b) O direito a infra-estruturas adequadas significa ainda:
- o direito à segurança dos edifícios por meio de criação de saídas de emergência facilmente identificáveis, de portas anti - incêndio e da colocação de extintores em locais bem visíveis em todos os pisos;
- o direito à instalação nos edifícios de sistemas que garantam a segurança física de magistrados, funcionários e advogados e público em geral contra acções criminosas dirigidas às suas pessoas;
c) Constituem práticas e comportamentos a evitar:
- a realização de audiências de julgamento em espaços exíguos, sem o mínimo de dignidade para o exercício da actividade de um órgão de soberania ou em espaços desconfortáveis face ao número de intervenientes ou de pessoas interessadas em acompanhar as audiências públicas;
- a inexistência de salas de espera especialmente destinadas a testemunhas;
- a inexistência de salas adequadas à audição de cidadãos no âmbito de inquérito de natureza penal com a privacidade e confidencialidade exigidas pela lei;
- a inexistência de sistemas de comunicação de voz nas chamadas para actos processuais a decorrer em simultâneo, sempre que tal se revele necessário;
- a inexistência de serviços sanitários públicos adequados e em número suficiente;
- a ausência de instrumentos para regularização de filas de espera ou ordenamento dos utentes antes do atendimento.
5. Direito a um processo célere
a) Todos os cidadãos têm direito à decisão em tempo útil das questões que submetam à apreciação dos Tribunais, de acordo com os princípios e direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa e nas cartas internacionais.
b) O direito a um processo célere significa, além do mais:
- o direito a obter decisão definitiva de um processo em prazo que não exceda, sem justificação, dois anos para decisão em primeira instância e quatro anos para todas as fases possíveis do processo;
c) Constituem práticas e comportamentos a evitar:
- a falta de um número suficiente de magistrados, de funcionários de justiça e de assessores em relação ao número de processos;
- a falta de definição legal de um número limite de processos a cargo de cada magistrado, pressuposto da sua responsabilização pela não decisão em tempo útil;
- o adiamento de diligências devido a deficiência ou falta de notificação dos intervenientes ou por outras razões, apenas imputáveis aos serviços;
- a não observância, injustificada, dos prazos processuais de duração do inquérito ou da instrução e a demora injustificada em proferir decisão em procedimento cautelar, despacho de que dependa o prosseguimento do processo ou decisão final.
6. Direito à qualidade
a) Todos os cidadãos têm direito a usufruir de uma Justiça de qualidade no que concerne às decisões proferidas, à preparação dos diversos agentes que a possibilite e à correcção dos respectivos procedimentos.
b) O direito à qualidade significa ainda:
- o direito a exigir uma adequada programação, planificação e controlo de gestão de recursos humanos, de aquisição de bens e serviços e de manutenção de meios e infra-estruturas;
- o direito a obter uma efectiva tutela judicial de acordo com os critérios definidos nas cartas internacionais de direitos.
c) Constituem práticas e comportamentos a evitar:
- a existência de um processo de execução que não satisfaz os reconhecidos interesses dos credores;
- a existência de um processo penal inadequado a satisfazer as exigências de segurança dos cidadãos e a garantir os direitos das vítimas dos crimes;
- a prevalência de razões formais em detrimento do conhecimento da pretensão deduzida em juízo;
- a falta de adequada formação profissional inicial e de permanente actualização e formação por parte dos diversos agentes dos serviços de administração da Justiça;
- a falta de instrumentos de adequado controlo e monitorização da qualidade dos serviços prestados no âmbito da administração da Justiça, em especial por parte de magistrados, advogados, funcionários de justiça e órgãos de polícia;
- a inadequação dos processos de informatização dos tribunais bem como a falta de formação específica e de apoio em tempo real aos respectivos utentes.
7. Direito à participação
Todos os cidadãos têm direito a participar activamente na vida pública e a ser efectivamente ouvidos, através das associações cívicas que os representem e actuem nas áreas abrangidas, antes da adopção de reformas legislativas que se possam repercutir sobre a actividade dos Tribunais.
Por uma política integrada de administração da Justiça que privilegie meios alternativos de resolução de conflitos;
Por uma Justiça participada e solidária ao serviço dos cidadãos, em nome de quem é feita.
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