Aproxima-se mais um referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, ou como é vulgarmente denominada, o aborto.
Não posso deixar passar este momento sem que faça algumas considerações sobre o tema, porém este post não é a posição da AJP, mas sim uma opinião pessoal, não tendo sequer conhecimento sobre qual a posição maioritária dos membros da AJP.
Será que este assunto é um tema jurídico?
Para mim, não pondo em causa todas as questões morais que lhe estão subjacentes, está é uma questão jurídica que se resume a um ponto:
Devemos descriminalizar a IVG?
A resposta só pode ser uma: SIM
Entendo que é um tema meramente jurídico, porquanto o que se vai referendar é se a IVG deve ou não continuar a ser considerada crime, não estando a ser submetida a consulta popular se a IVG deve ser aceite moralmente ou não.
Deixo aqui alguns apontamentos sobre os motivos que deverão ser tomados em consideração para se votar sim.
1. A descriminalização da IVG não obriga ninguém a praticá-la, ou seja, eu sou contra o aborto (e na realidade não defendo que este seja usado como um meio anticoncepcional), mas não é por o legalizar que vou fazer um aborto.
Quem é contra continua a sê-lo, em nada o afectando a alteração legal.
2. A IVG vai ser referendada porque ainda vivemos numa sociedade em que existem várias desigualdades entre homens e mulheres.
Este é um tema que diz, infelizmente, respeito à Mulher e tão só a estas. Digo infelizmente, porque são necessários dois para engravidar, mas ocorrendo um aborto só a mulher é que, em principio, é julgada. Ainda que o homem não tenha sido ouvido pela mulher nessa decisão, entendo que a partir do momento em que se desresponsabiliza das consequências daquele seu acto sexual, deveria ser igualmente julgado.
Pois, sem feminismos, radicais ou não, e com honrosas excepções, a acontecer um “azar” este acontece tão só à mulher, é ela que fica grávida, é ela que pode ser julgada por crime caso opte por interromper essa gravidez, ou ela que tem que gerar, criar, educar e sustentar esse filho.
O aborto não é um método anticoncepcional, e nenhuma mulher o pratica por prazer.
3. Esta não é uma decisão religiosa, nem da Igreja Católica! É um tema que respeita ao indivíduo e não à Igreja, sendo um dos direitos constitucionais o de estabelecer família, entendendo-se o mesmo como o direito de estabelecer família quando o entender.
Para a Igreja o uso do preservativo não é permitido, mas não é por esse motivo que quem o usa comete um crime! Aliás para a Igreja as relações sexuais só são aceites tendo em vista a procriação. Quem se escuda no argumento religioso será que só tem relações sexuais com esse propósito???
4. Ninguém duvida que esta é uma questão de formação e educação das pessoas, que havendo mais informação, muitas das IVG poderiam ser evitadas, mas decorridos que são 8 anos do referendo sobre esta matéria, o que mudou? Que formação, informação foi dada? Nada mudou, e todos concordamos que tem que haver uma mudança. Assim, se a situação é exactamente a mesma que há 8 anos atrás, a mudança só pode ser uma – descriminalizar, pois se não for assim, não há qualquer mudança, continuando tudo como até aqui. Entendo, neste caso, que só mudando a lei é que as mentalidades mudarão, podendo então falar-se sobre as questões sexuais de uma forma informada e livre, educando as pessoas para uma maternidade e paternidade responsável e consciente.
5. Quantas crianças - vidas humanas e não apenas seres vivos- são anualmente vítimas de maus tratos, negligência, abandono às mãos dos próprios pais, que muitas das vezes são os seus homicidas? Não merecerão estas crianças uma maior protecção do que um embrião de 10 semanas que mais não é do que uma multiplicação celular?
Ao optar por interromper a gravidez a mulher não deixa de demonstrar uma preocupação com essa criança, que provavelmente iria viver sem amor (e quantas vezes com rancor), infeliz, vitima de maus tratos, ou marginalizada, porque ela sabe que não tem condições de saúde, económicas, e/ou sociais para criar essa criança.
6. Os intransigentes defensores da vida como calam as suas consciências quando morre um ser humano vitima de um aborto mal feito, sem condições, ou fica mutilado para o resto da sua vida?
Ora, ao proteger-se até à exaustão a vida do embrião está a condenar-se muitas outras vidas. Não é por aborto ser ilegal que não é praticado, é-o igualmente, mas em piores condições sanitárias, muitas vezes sem qualquer assistência médica. Mas quem tem dinheiro fá-lo com todas as condições exigíveis, dignas e com acompanhamento médico. Fazem-no indo aqui à vizinha Espanha, ou mesmo cá, em Portugal, com médicos que são “objectores de consciência” se este for legalizado, e defensores acérrimos do Não, mas que o praticam nas suas clinicas enquanto o mesmo é crime, embolsando os honorários respectivos.
Concluindo entendo que a IVG não deve ser praticada como método anticoncepcional, que quer o pai como a mãe devem ser responsabilizadas pelos seus actos e que o aborto deve ser considerado o ultimo recurso, para tal há que educar, formar e informar, mas não podemos ter outra atitude, que não seja a de optarmos pela descriminalização da IVG, de modo a acabar com a hipocrisia.
Aos defensores da vida, digo-lhes que há outras situações na nossa sociedade bem mais graves, que matam milhares de crianças, e que mesmo assim não são crimes, nomeadamente, o transporte de crianças sem cintos de segurança ou sem as “cadeirinhas”.
“Crime” este que mata mais do que aborto, mas em que ninguém é responsabilizado. Apesar de não ser legal o transporte de crianças sem o uso daqueles mecanismos, quase ninguém obedece, e nem sequer a nossa policia se preocupa em fiscalizar.
Mas não é por não ser considerado crime que eu transporto as minhas filhas sem as “cadeirinhas”, pois eu, de uma forma consciente e responsável entendo que assim defendo a vida humana e é por defender a vida e em defesa dessa mesma vida que eu voto sim no referendo sobre a descriminalização da IVG.