A independência do poder judicial e a autonomia do Ministério Público (MP) estão em risco. Trata-se de valores consagrados em 1976 na Constituição da República Portuguesa (CRP) postos agora em causa por alguns opinion makers, afirmou ao DN o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). Por isso, os procuradores assinalam na sexta-feira o 30.º aniversário do seu estatuto autónomo com um megajantar, em Gaia, seguindo-se um debate onde vão evocar "os fundamentos que alicerçam o nosso Estado de direito e que inspiraram outras jovens democracias", explicou António Cluny.
"Portugal pode e deve orgulhar-se do seu sistema", frisa o presidente do sindicato, lembrando que a Constituição de 1976, ao consagrar a autonomia do MP e a independência do poder judicial, acabou com a subordinação do poder judicial ao poder político e com o governo das magistraturas. "Desde então, todos passaram a ser iguais perante a lei", sublinhou. E é curioso, adiantou, que outras jovens democracias, nomeadamente as de Leste, após a queda do Muro de Berlim, viessem a Portugal "copiar o nosso sistema constitucional de justiça".
Segundo o magistrado, vários opinion makers "têm tendência para esquecer os motivos que estiveram na base da actual arquitectura judiciária". E, por isso, "estão a exercer pressões sobre o estatuto do MP". Em seu entender, "as alterações que propõem acabarão, supostamente, por subordinar o estatuto ao poder político".
Por isso, não há nada melhor, nesta altura, do que recordar como era Portugal antes e depois da Constituição de 1976. Isto é, "comparar um regime onde o poder político controla o poder judicial com um regime que consagrou a independência entre os vários órgãos de soberania".
Na sexta-feira, em Gaia, numa das caves onde envelhece o sempre actual vinho do Porto, os magistrados do MP - diz António Cluny - vão, pois, reflectir sobre a sua autonomia para avivar a memória de alguns opinion makers. "Vão defender que, apesar da crise de valores ao nível da cultura, da cidadania, da economia, da justiça, mantêm-se os fundamentos que transformaram Portugal num Estado de direito." Após o jantar "far-se-á um balanço do empenho do MP na construção de uma justiça ao serviço dos cidadãos e dos problema s e obstáculos com que ele se tem deparado para a realizar".
No convite enviado aos magistrados, onde se apela à participação no jantar, o SMMP lembra que, além dos riscos registados em Portugal para a autonomia do MP e a independência do poder judicial, também vai ser escolhido, em Outubro, o nome do próximo procurador-geral da República.
"Tal escolha não será, em nenhum caso, uma escolha neutra, frisa o SMMP, alertando : "Ela terá um sentido e um significado político evidente e público." Será, pois, um momento de mudança. "Um momento crítico que poderá ter reflexos fundamentais na arquitectura futura da justiça portuguesa e não só na do MP", garante o sindicato no convite aos associados.
Embora António Cluny, em declarações ao DN, afaste a hipótese de o encontro se transformar em demonstração de força perante o poder político, certo é que o apelo à participação tem as semelhanças de um manifesto político.
"Divulga esta iniciativa e a sua importância para o futuro da justiça, do MP e da sua autonomia verdadeira, e convida quem por eles entenda dever testemunhar" - lê-se no prospecto. E sublinha-se: "Tanto como em outros momentos graves para o MP, a presença de todos é, por isso, fundamental."
Por Licínio Lima, in Diário de Notícias
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