sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Conferência "AS NOVAS EXIGÊNCIAS DO PROCESSO CIVIL - CELERIDADE, ORGANIZAÇÃO E EFICÁCIA"

Realizou-se ontem, no Auditório Ilídio Pinho da Universidade Católica, a conferência “As Novas Exigências do Processo Civil – Celeridade, Organização e eficácia”, promovida pela Associação Jurídica do Porto (AJP) e que contou com 330 participantes.

No primeiro painel, subordinado ao tema “A Reforma da Organização Judiciária”, foram intervenientes o Dr. Paulo Rangel e o Dr. Nuno Coelho (Juiz de Direito) e foi aflorada a necessidade de dotar a organização judiciária de novas valências, tendo sido até sublinhado pelo Dr. Paulo Rangel que, o problema da Justiça não está no processo, mas sim na respectiva organização, realçando as exigências extra-processuais e transprocessuais.

Foi ainda entendido que a falta da mobilidade dos funcionários judiciais é outra da lacuna do status quo aparelho judicial.

O Dr. Nuno Coelho apresentou os traços gerais de uma proposta de análise do sistema e organização judiciários.

O segundo painel abordou o projecto do processo especial da litigância de massas e foram ouvidos sobre a matéria, a Prof. Dra. Mariana Gouveia (uma das colaboradoras na autoria do projecto) e o Juiz Desembargador Abrantes Geraldes. Em geral este novo diploma parece ter virtualidades que importa testar, mas não se trata de uma verdadeira reforma de processo civil, mas tão só mais uma forma avulsa de tramitar processos. Pretende-se fundamentalmente agilizar o processo, flexibilizando a sua tramitação, acelarando a decisão final, simplificando as sentenças. A sentença passa a poder ser sucintamente fundamentada e ditada imediatamente para a acta e o juiz passa a poder decidir através de mera remissão para os fundamentos invocados pelas partes nos seus articulados e, caso decida no mesmo sentido de um acórdão de uniformização de jurisprudência, o juiz deve simplesmente remeter para os seus fundamentos. Por outro lado, as partes são também responsáveis por um processo mais célere e simples, passando a poder apresentar, conjuntamente, a petição inicial e a contestação, indicando logo os factos controvertidos e os factos que consideram provados. Podem apresentar a petição, a contestação e a resposta sem ser através de forma articulada, nas causas em que não seja obrigatória a constituição de advogado e requerer a agregação de acções. Foram manifestas as várias posições existentes sobre a matéria e manifestas as divergências entre os defensores e os menos entusiastas de tal projecto, com referência aos perigos que contém, nomeadamente, o perigo de se abrangerem todas as acções com este regime especial e experimental, bem como à possibilidade de se atingir os mesmos fins com simples alterações ao regime vigente.

Após o almoço foram objecto de análise os regimes dos recursos em processo civil, em que foram oradores o Dr. Armindo Ribeiro Mendes (cuja intervenção – de índole bastante crítica – teve como algumas reflexões que se transcrevem:

A reforma de recursos em processo civil não é prioritária. As queixas baseiam-se no facto de não existir verdadeira colegialidade nos Tribunais superiores. As soluções que aparecem à primeira vista, deixam um amargo de boca e não são vantajosas para um Estado de Direito. Prevê-se uma limitação prática dos recursos p/ os tribunais superiores. Não obstante, em sua opinião o aumento da alçada é razoável.

Relativamente ao acesso ao STJ, não concorda com a dupla conforme. Esta é uma ideia perversa, desde logo a dupla conforme não existe na maior parte dos Estados Democráticos europeus, existe sim uma admissão discricionária do recurso de revista.

Uma outra preocupação é a restauração do recurso p/ o Tribunal Pleno, agora qualificado como recurso extraordinário.

Outra preocupação é a ideia de limitar o prazo das alegações dos advogados. Isto não resolve o facto do processo ficar parado na secretaria, este é um problema endémico.

Parece estranho não se definir de uma vez por todas se existe notificações entre mandatários, se é requerimento autónomo ou não?

Em relação à transcrição da matéria de facto a mesma não pode ficar ao critério do relator.

Ponderando tudo, a dupla conforme originária do Direito Canónico, não é admissível e dever-se-ia ampliar as situações de recurso de revista.

Já o Dr. Lopes do Rego, Procurador Geral Adjunto:

Participou num grupo de trabalho liderado pelo Prof. Galvão Telles que pretendia desenvolver qual o papel do STJ e depois analisar os problemas processuais.

A matéria da recorribilidade deveria ser analisada de forma global, devia ponderar-se os recursos cíveis com os recursos em processo penal e laboral.

A limitação de acesso ao STJ tem de ser vista com extrema cautela. O regime de 2º grau de apreciação quanto à matéria de facto, nunca funcionou bem. Não é necessário transcrever toda a matéria para atacar um ponto casuístico e identificado. É irrealista analisar todos os depoimentos, imagine-se um julgamento com dezenas de testemunhas. A parte deve cingir-se cirurgicamente a determinados pontos. Mas o problema de registo da prova não é um problema jurídico, mas sim um problema financeiro, o Estado é que tem de ver os recursos que possui para a resolução deste problema.

Outro problema é uma tendência dos usos abusivos dos meios impugnatórios e formulação de pedidos de aclaração. É preciso ter muito cuidado com a litigância dilatória.

Há uma ampliação desmesurada de recurso contra jurisprudência consolidada, veja-se o art. 678º n.º 2 al. c) do CPC – jurisprudência consolidada?!? Isto é muito subjectivo, abre uma janela a recursos p/ o STJ a processos que não poderiam entrar no STJ pela porta!!!

Outra perplexidade é o de reduzir o prazo p/ alegar para os advogados, conjuntamente com o facto de se juntar as alegações com o requerimento de recurso.

Outro problema é a subida dos autos por meio informático, imagine-se um processo com dezenas de documentos que tem de ser digitalizados, isto não torna mais célere o processo.

Finalmente, se não houver recurso interposto da decisão final de mérito o que é que se faz aos recursos de agravo interpostos na pendência da acção, pois estes podem ir ao STJ e o recurso final se houver dupla conforme, não podem.

A conferência encerrou com “As consequências económicas da morosidade judicial”

Prof. Dr. Daniel Bessa

Se o problema da morosidade existe, não devia existir. Trata-se de um problema cultural, os negócios não são política e a lei também não. Não se devia misturar direito com política. Não há valores sem datas, isto reflecte questões culturais, a sociedade portuguesa não deu todos os passos necessários. A morosidade dos pagamentos do Estado é um vício inadmissível. Nos concursos os preços fazem-se contando com estes atrasos.

Há cinco requisitos: independência dos Tribunais; eficiência do enquadramento legal; protecção dos direitos de propriedade e da propriedade intelectual e a eficiência dos corpos legislativos.

Eng. Belmiro de Azevedo

Criticou a cultura do senhor que se segue, a acumulação, o incentivo à não decisão. Realçou a importância da experiência de vida dos juízes. A componente de bom senso para os juízes é sempre muito importante, independentemente da formação – é preciso pesar bem as coisas.

As sucessivas alterações do código do IRC, do IVA e do IRS criam um caos. Porque é que as coisas não são mais simples? A justiça em Portugal, especificamente na tributação, existe a cultura de se complicar o que é simples. De modo geral, o sistema está desenhado p/ favorecer o incumpridor.

O encerramento da Conferência ficou a cargo do Bastonário Lopes Cardoso que realçou a necessidade de temperar o pragmatismo da nova justiça com a incontornável e necessária premissa de tutela dos direitos fundamentais do cidadão.

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