sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

IVA

O OÁSIS PORTUGUÊS

Pedro Vasconcellos Silva (artigo de opinião publicado hoje no Diário Económico)

"É frequentemente referida a especificidade do sistema de IVA, a qual resulta da estrita dependência deste sistema de tributação indirecta em relação aos princípios e normas emanados dos órgãos decisores da União Europeia.

Neste âmbito, os Estados-membros da União Europeia não podem dispor de forma autónoma sobre a mecânica do IVA, ao contrário do que sucede com a maioria dos outros impostos, sob pena de serem criadas graves distorções e discriminações entre os vários agentes que operam no espaço comunitário, os quais esperam regras harmonizadas.

E quando sucedem dificuldades de interpretação ou aplicação de um determinado normativo? O que fazer igualmente quando um Estado se arroga o poder de introduzir ou manter na sua legislação sobre IVA regras contrárias aos princípios e normas comunitárias?

Em última análise, a entidade competente para solucionar tais questões é o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, órgão jurisdicional máximo no âmbito comunitário. Ao longo de vários anos, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem produzido profícua e rigorosa jurisprudência, contribuindo para aclarar e desenvolver os princípios informadores do imposto, os quais deverão ser aplicados de forma uniforme em toda a União Europeia.

É lamentável que esta jurisprudência ainda não seja suficientemente conhecida pela generalidade dos contribuintes, conhecimento esse que possibilitaria uma defesa mais eficaz dos seus direitos e o cumprimento mais esclarecido dos seus deveres. Mas lamenta-se especialmente o facto de determinados Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias serem pura e simplesmente ignorados pelas autoridades nacionais, frequentemente em prejuízo dos agentes económicos.

Veja-se, designadamente, o caso Sanofi/Ampafrance, no qual o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias considerou ilegítimas quaisquer restrições legislativas ao direito à recuperação de imposto, desde que estabelecidas de uma forma genérica e sem que seja possível provar, para efeitos da dedução de IVA, que determinadas despesas foram incorridas para fins profissionais. Restrições com essa natureza são obviamente desproporcionadas (ainda que se reconheça a importância do objectivo de combate à fraude), e as normas que as instituem contrárias às disposições comunitárias. Em Portugal existem normas com esta natureza, em especial o artigo 21º do Código do IVA, o qual não permite recuperar o imposto incorrido em determinadas despesas (v.g., portagens, alojamento, alimentação, bebidas), independentemente de se provar que as mesmas foram incorridas no âmbito da actividade tributada da empresa.

Esta restrição genérica virá obviamente a ser contestada por sujeitos passivos portugueses que reconheçam o carácter abusivo desta limitação de ordem legislativa aos seus direitos e a discriminação que a mesma poderá provocar. Mas será provavelmente necessário aguardar por um novo Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (que mais não fará que remeter para a jurisprudência anterior…) para se produzirem modificações legislativas.

Refira-se também a situação, ainda mais significativa, gerada pelo caso EDM, em que até estava envolvida uma SGPS nacional, o qual reconheceu às sociedades ‘holding’ uma capacidade de dedução de IVA manifestamente superior ao que usualmente se verifica. Este Acórdão continua a ser ignorado pelas autoridades fiscais que realizam inspecções a SGPS, contribuindo para discussões totalmente desprovidas de sentido face ao entendimento já pacificamente consagrado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias… num caso em que a Fazenda Pública portuguesa era uma das partes…

Se é aconselhável os sujeitos passivos de IVA conhecerem as decisões do TJCE, as autoridades públicas têm um especial dever de subordinação a esse órgão jurisdicional. Deverão conhecer as suas decisões, estudá-las atentamente, respeitar o seu entendimento e diligenciar pela sua rápida implementação.

Talvez seja altura de se reconhecer, nesta matéria e noutras talvez mais relevantes, que Portugal não é um irredutível oásis. Que há normas que não podem ser placidamente ignoradas; que há regras de conduta que têm de ser observadas. Em benefício da legalidade e da competitividade do país
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