segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

“A morosidade é o grande desafio”

Cunha Rodrigues, juiz do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, considera que um dos grandes desafios que se coloca ao sector, em Portugal e na generalidade das democracias da Europa, é o acesso ao sistema, direito dos cidadãos que deve ser usado com parcimónia...

Carla Teixeira in O Primeiro de Janeiro

A resistência inicial de alguns membros da UE, com predominância para a Alemanha, em legitimar o primado do direito comunitário sobre as normas jurídicas nacionais obstaculizou a sua implementação, mas hoje é uma UE transformada numa gigantesca Babel, com 23 línguas faladas, que em parte contribui para uma pendência de aproximadamente 18 meses dos processos que dão entrada no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, já que só a tradução dos autos exige uns seis meses de trabalho. A juntar-se a estas dificuldades, um dos maiores desafios que se colocam ao sector, em Portugal e na generalidade das novas democracias europeias, tem a ver com a questão do acesso à Justiça. O diagnóstico foi traçado por Cunha Rodrigues, juiz do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, anteontem à noite, no âmbito de um jantar-debate organizado pela Associação Jurídica do Porto e subordinado ao tema «Justiça comunitária: espírito e método», que teve lugar no Porto.
Diante de uma plateia composta essencialmente por juízes, advogados e magistrados, o orador convidado sintetizou a ideia de que aquele tribunal conseguiu baixar o tempo médio de pendências de mais de 24 para cerca de 18 meses, mas garantiu que muito mais não será possível fazer nesse domínio, já que “os Estados não abdicam da sua possibilidade de intervenção, e esperam até ter prazos maiores para poderem pedir as suas audiências”, o que pode aumentar a morosidade processual naquela instância. A questão do acesso à Justiça e da falta de celeridade de que ela enferma foram aliás os dois grandes problemas apontados por Cunha Rodrigues, que antes de dar conta da rotina e dos métodos de trabalho no tribunal que integra, explicou a O PRIMEIRO DE JANEIRO que, acompanhando “com muito interesse” o que se passa em Portugal na esfera jurídica, constatou que “hoje há uma consciência mais aguda da natureza e da dimensão dos problemas, por parte da população, dos próprios magistrados, do poder político e das associações sindicais”.
Considerando que se trata de “uma vantagem, porque conhecer os problemas é uma primeira aproximação a resolvê-los”, Cunha Rodrigues acrescentou que a questão da morosidade processual “não é característica de Portugal”, mas comum a vários países onde “os processos demoram muito a ser resolvidos”. O problema varre fronteiras e constitui um dos desafios da Justiça, que deve esforçar-se para, “mantendo a qualidade, aumentar a celeridade”. Lembrou depois que “o acesso à Justiça é um direito de todos os cidadãos, mas isso não pode equivaler a consumismo e a desregramentos”, frisando que “ainda não se encontrou um mecanismo de Estado de providência para o Direito. Cada pessoa pode intentar as acções que entender, e isso é uma dificuldade. Tem de se encontrar um ponto de equilíbrio”.

-------------------------

Optimismo
Consciência dos problemas
Questionado sobre como encontrar o ponto de equilíbrio na Justiça, quer em termos nacionais, quer no que diz respeito à comunidade, Cunha Rodrigues esclareceu que, enquanto juiz, não pode pronunciar-se sobre os problemas dos Estados-membros, e muito menos sobre as soluções que preconiza ou entende adequadas. “O que penso, e confio nisso, é que hoje há uma consciência mais aguda dos problemas, e isso dá-nos optimismo quanto à capacidade para encontrarmos soluções”. Na sua opinião os tribunais menores, de que são exemplo os julgados de paz (cujo primeiro projecto em Portugal remonta a “1981 ou 1982”), podem ajudar a solucionar os problemas ligados à morosidade processual: “Por vezes os países recuperam soluções que inicialmente hostilizaram”, acrescentou o juiz.

Sem comentários: