sexta-feira, 5 de maio de 2006

Hoje - 1º filme e debate do festival "A JUSTIÇA NO CINEMA"

King Vidor é uma referência na história do cinema. Poucos terão exprimido como ele os princípios básicos da América, desde a conquista pelas armas à edificação de uma sociedade moral, em que a integridade de cada um define as bases do direito comum. O homem, segundo Vidor, traz em si todo um mundo de possíveis. Todo um poder de criação que só tem igual na sua força destruidora. Ele é um daqueles que acreditam que todo o documento de cultura é um documento de barbárie. Vontade Indómita, no original "The Fountainhead", é um filme que ganhou o estatuto de clássico. Trata-se duma obra que se aproxima, em dimensão e grandeza, de "Citizen Kane". Afirmando o direito à criatividade individual dum arquitecto, a película de Vidor está para o mundo da arquitectura como a obra de Welles está para o da imprensa. Trata-se de uma adaptação ao cinema de uma novela de Ayn Rand, galardoada com o Prémio Pullitzer, cuja personagem central lembra o arquitecto Frank Lloyd Wright, embora a escritora sempre o negasse.
Gary Cooper não foi a escolha inicial para o papel do arquitecto Howard Roark. O realizador queria Bogart, mas acabou por se render ao "Gentle Giant", símbolo dos valores positivos da América, os da conquista e os do New Deal. Em "The Fountainhead", Cooper é o herói recrucificado de um mundo que não sabe que fazer com a sua pureza. O seu ar é pesado e triste, mas nenhuma humilhação pode diminuir a determinação de quem prefere ser um simples canteiro a ser um mau arquitecto.
A representação do corpo de Cooper, a intensidade colocada na troca de olhares com Patricia Neal, são bem mais importantes do que qualquer manifesto modernista no domínio da arquitectura, transmitido pelo livro de Ayn Rand.
Howard Roark é um arquitecto idealista e muito pouco ortodoxo. Dificuldades económicas levam-no a aceitar um trabalho de operário numa pedreira, onde vem a conhecer uma bela herdeira, Dominique, protagonizada por Patricia Neal.
A mútua atracção rapidamente se converte em amor. Mas, inesperadamente, Roark rompe a relação e regressa a Nova Iorque, onde lhe oferecem um trabalho arquitectónico. Dominique casa com um magnata da imprensa, Gail Wynand, cujo perió-dico desencadeia uma campanha violenta contra Roark. Este tinha aceite um projecto de habitação social, com a condição de não serem feitas quaisquer alterações. Porém, a concepção original foi modificada.
Enfurecido e desesperado, Roark dinamita as estruturas da obra. É julgado em tribunal, mas graças à sua própria e brilhante defesa, é absolvido. Wynand, que entretanto se tornara seu amigo, acaba por se suicidar, mas ainda a tempo de o encarregar duma tarefa gigantesca: a construção do edifício mais alto do mundo, em sua memória. O arquitecto aceita, e, para que tudo acabe bem, tem de novo Dominique a seu lado. No final, esta sobe ao arranha--céus em construção, até chegar ao pé de Roark. A conclusão é uma autêntica profissão de fé no individualismo, contra as utopias colectivistas. Uma ascensão divina. O cinema tem esta magia e sedução!
Quando estreou, o filme foi considerado reaccionário. Os tempos mudaram, e, hoje, sente-se que transmite uma mensagem de liberdade, através da organização do espaço, imagem e texto. "The Fountainhead" é mais um bom exemplo da complementaridade do cinema e da arquitectura. Ambos se inserem no território complexo da criação artística, não raras vezes condicionada por factores externos.
Sendo um cineasta conhecido, os cinéfilos respeitam a sua obra, que inclui filmes como "Duelo ao Sol" e "Guerra e Paz". A sua vida foi longa. Em 1979, recebeu um Óscar pelo conjunto da sua obra, vindo a falecer três anos depois. Pelo contributo dado à história da 7ª arte, merece o nosso reconhecimento e admiração. Bem haja o realizador deste "The Fountainhead", que recomendamos a todos os que gostam do bom cinema.

Carlos Mendes, in Revista Cine-Consumo, n.º 104, 2001.

A exibição do filme terá lugar, na Sala Bebé do Cinema Batalha, às 19h30, com intervalo p/ jantar no local e será seguida de um debate pelas 22h00, com os convidados e aberto à intervenção do público.

Debate: Guilherme Figueiredo (cinéfilo); Vasco Morais Soares (arquitecto); Ricardo Pimenta (arquitecto); Manuel António Pina (Jornalista).

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