"A Justiça está em obras, polvilhada de estaleiros, valas e desvios. Assim se mostraria ao mundo, se dela pudéssemos obter uma imagem de satélite. As obras processam-se agora com alguma paz, obtida pela convergência de dois factores: a anestesia derivada do mundial de futebol e o advento das férias com o seu efeito letárgico. Há alguns meses atrás, e recorrendo ao mesmo satélite, veríamos um cenário mais próximo da intifada, representada por confrontos variados em juízo e fora dele.
Agora o ambiente serenou. Até quando, é o que saberemos em breve. Mas para além dos motivos indicados, também o Governo contribuiu para este baixar da conflituosidade. Pôs de parte o estilo brigão com que debutou, casado com a estratégia de imputar aos profissionais do sector da Justiça a responsabilidade por tudo o que corria mal. Desse casamento nasceu um filho indesejado, o famoso diploma das férias judiciais. O nascimento desse filho, aliado à algazarra com que foi recebido pêlos seus familiares, causou um imenso e escusado mal-estar. A Ordem disse e redisse, que a alteração era perniciosa, e a prática assim o revelou.
Mas o Governo emendou a mão.
O tal estilo «quero, posso e mando», deu lugar a um mais saudável quero, mas às vezes não posso, posso, mas nem sempre devo querer, mando, mas não posso mandar só porque quero.
Adoptou-se atitude mais pedagógica, embora também mais demagógica, o que é inseparável da política. Com pedagogia, o Governo passou a ouvir mais e a atentar mais no que ouve. Com demagogia passou a apresentar pequenos passos como grandes e consumadas reformas. Ouvir, porém, ajuda a tomar melhores decisões. Ouvir as oposições, os homens do direito e, de uma forma geral, os representantes da sociedade civil e do povo, para quem a Justiça existe e em nome de quem é administrada.
As falhas do sistema de Justiça não se corrigem pelo achincalhamento público de quem dentro dele dá o seu melhor, embora passe, naturalmente, pelo sancionamento de quem dentro dela não cumpre.
Sem embargo de todas as críticas de que o sistema judicial é justamente alvo, não se deve contribuir para o desprestígio desse mesmo sistema, o qual, tem de se dizer, faz muitas vezes o melhor possível, em condições próximas das piores possíveis. Há cerca de um ano disse que ele estava como o Titanic. Não exagerei. Basta ver como se mantém a acção executiva, como estão os tribunais de comércio, o que se passa nos tribunais administrativos, o que se passa na justiça cível em muitas (demasiadas) comarcas e as carências que continuam a evidenciar-se nos meios colocados à disposição da investigação criminal. Por isso se impõe uma revolução, feita de reformas ousadas. Algumas dessas reformas estão em marcha. Está a mudar-se o regime de acesso ao direito. Vem aí a proposta de alteração ao Código das Custas Judiciais. Projectam-se novas alterações em matéria de acção executiva. A Ordem dos Advogados bateu-se vigorosamente pela implementação de reformas nestes sectores, por uma justiça universal, mais simples e mais barata. Procede-se aos trabalhos de alteração do Código do Processo Penal, que se seguem à proposta de revisão do Código Penal. A Ordem participa activamente nestes trabalhos, visando um formato onde se conjuguem a operatividade e a eficácia, com o intocável primado dos direitos fundamentais. A Ordem pronunciou-se sobre o novo regime processual experimental e acerca dos recursos em matéria cível, assumindo-se como a sua principal (única?) defensora. Embora discordando de várias das soluções adoptadas, a Ordem saúda a simplificação de procedimentos e a eliminação das formalidades desnecessárias em matérias ligadas às sociedades comerciais. Vem aí a temida discussão do Mapa Judiciário e a abordagem à formação de advogados e magistrados, acesso e progressão nas carreiras respectivas.
Anunciou-se que 2006 tinha de ser o ano das soluções, depois de muitos anos de erros, desinvestimento e lamentações. Não há espaço para grande optimismo. A crise é profunda, os problemas inúmeros, a moral baixa, a esperança pouca, as medidas sempre controversas e, algumas, dolorosas na aplicação. Os resultados, se os houver, serão lentos na sua evidenciaçâo. Mas o pessimismo também não faz cá grande falta, pois é entorpecente, corrosivo e desmotivador. Realismo sim, pessimismo não, eis a palavra de(a) Ordem.
A justiça está em obras. Como em todos as obras tem de haver uma boa ideia, um bom projecto de arquitectura, projectos de execução adequados e um resultado final correspondente. Compete ao poder político apresentar estes projectos e a maqueta final da obra, que será o ponto de chagada. Essa maqueta está ainda por fazer. A Ordem dos Advogados continuará a contribuir para um sistema reformado, moderno e de prevalência do fundo sobre a forma, numa atitude crítica, proactiva, firme e exigente, mas, também deliberadamente construtiva, apoiando as boas ideias, mesmo as que nasçam do Governo, ajudando a descobrir a forma de as viabilizar e, ao mesmo tempo, denunciando as más ideias e empenhando-se em não as deixar singrar.
Tudo isto só será possível num contexto de diálogo sereno e participado, que muito temos ajudado a criar.
Vamos prosseguir assim."
Rogério Alves - Bastonário da Ordem dos Advogados
Agora o ambiente serenou. Até quando, é o que saberemos em breve. Mas para além dos motivos indicados, também o Governo contribuiu para este baixar da conflituosidade. Pôs de parte o estilo brigão com que debutou, casado com a estratégia de imputar aos profissionais do sector da Justiça a responsabilidade por tudo o que corria mal. Desse casamento nasceu um filho indesejado, o famoso diploma das férias judiciais. O nascimento desse filho, aliado à algazarra com que foi recebido pêlos seus familiares, causou um imenso e escusado mal-estar. A Ordem disse e redisse, que a alteração era perniciosa, e a prática assim o revelou.
Mas o Governo emendou a mão.
O tal estilo «quero, posso e mando», deu lugar a um mais saudável quero, mas às vezes não posso, posso, mas nem sempre devo querer, mando, mas não posso mandar só porque quero.
Adoptou-se atitude mais pedagógica, embora também mais demagógica, o que é inseparável da política. Com pedagogia, o Governo passou a ouvir mais e a atentar mais no que ouve. Com demagogia passou a apresentar pequenos passos como grandes e consumadas reformas. Ouvir, porém, ajuda a tomar melhores decisões. Ouvir as oposições, os homens do direito e, de uma forma geral, os representantes da sociedade civil e do povo, para quem a Justiça existe e em nome de quem é administrada.
As falhas do sistema de Justiça não se corrigem pelo achincalhamento público de quem dentro dele dá o seu melhor, embora passe, naturalmente, pelo sancionamento de quem dentro dela não cumpre.
Sem embargo de todas as críticas de que o sistema judicial é justamente alvo, não se deve contribuir para o desprestígio desse mesmo sistema, o qual, tem de se dizer, faz muitas vezes o melhor possível, em condições próximas das piores possíveis. Há cerca de um ano disse que ele estava como o Titanic. Não exagerei. Basta ver como se mantém a acção executiva, como estão os tribunais de comércio, o que se passa nos tribunais administrativos, o que se passa na justiça cível em muitas (demasiadas) comarcas e as carências que continuam a evidenciar-se nos meios colocados à disposição da investigação criminal. Por isso se impõe uma revolução, feita de reformas ousadas. Algumas dessas reformas estão em marcha. Está a mudar-se o regime de acesso ao direito. Vem aí a proposta de alteração ao Código das Custas Judiciais. Projectam-se novas alterações em matéria de acção executiva. A Ordem dos Advogados bateu-se vigorosamente pela implementação de reformas nestes sectores, por uma justiça universal, mais simples e mais barata. Procede-se aos trabalhos de alteração do Código do Processo Penal, que se seguem à proposta de revisão do Código Penal. A Ordem participa activamente nestes trabalhos, visando um formato onde se conjuguem a operatividade e a eficácia, com o intocável primado dos direitos fundamentais. A Ordem pronunciou-se sobre o novo regime processual experimental e acerca dos recursos em matéria cível, assumindo-se como a sua principal (única?) defensora. Embora discordando de várias das soluções adoptadas, a Ordem saúda a simplificação de procedimentos e a eliminação das formalidades desnecessárias em matérias ligadas às sociedades comerciais. Vem aí a temida discussão do Mapa Judiciário e a abordagem à formação de advogados e magistrados, acesso e progressão nas carreiras respectivas.
Anunciou-se que 2006 tinha de ser o ano das soluções, depois de muitos anos de erros, desinvestimento e lamentações. Não há espaço para grande optimismo. A crise é profunda, os problemas inúmeros, a moral baixa, a esperança pouca, as medidas sempre controversas e, algumas, dolorosas na aplicação. Os resultados, se os houver, serão lentos na sua evidenciaçâo. Mas o pessimismo também não faz cá grande falta, pois é entorpecente, corrosivo e desmotivador. Realismo sim, pessimismo não, eis a palavra de(a) Ordem.
A justiça está em obras. Como em todos as obras tem de haver uma boa ideia, um bom projecto de arquitectura, projectos de execução adequados e um resultado final correspondente. Compete ao poder político apresentar estes projectos e a maqueta final da obra, que será o ponto de chagada. Essa maqueta está ainda por fazer. A Ordem dos Advogados continuará a contribuir para um sistema reformado, moderno e de prevalência do fundo sobre a forma, numa atitude crítica, proactiva, firme e exigente, mas, também deliberadamente construtiva, apoiando as boas ideias, mesmo as que nasçam do Governo, ajudando a descobrir a forma de as viabilizar e, ao mesmo tempo, denunciando as más ideias e empenhando-se em não as deixar singrar.
Tudo isto só será possível num contexto de diálogo sereno e participado, que muito temos ajudado a criar.
Vamos prosseguir assim."
Rogério Alves - Bastonário da Ordem dos Advogados
Fonte: Ordem dos Advogados
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