Reforma da Justiça - Um remendo que sabe a pouco e não tapa nada
Comunicado da CDHOA:
Tratando–se de algo que se relaciona com o redimensionamento dos tribunais, qualquer reforma da justiça só seria séria, minimamente eficaz e útil se tivéssemos alguns dados desagregados sobre o volume de serviço, características do mesmo e estado actual de cada tribunal e, dentro deste, de cada serviço, secção, juízo ou vara. E neste estado actual, entre outras variáveis, incluem-se as pendências, mas de sobremaneira a “causa” das mesmas. Há tribunais e tribunais. Há varas e varas. Há juízos e juízos. Há secções e secções. Há juízes e juízes. Há magistrados do MP e magistrados do MP. Há funcionários e funcionários.
Comarcas e tribunais há em que a litigância é mais acentuada, mas onde estão colocados juízes ou magistrados do MP que não têm condições para um bom exercício de funções ou que padeceram de “moléstias” várias, algumas não debeladas, que foram razão para o atraso, ou onde actuam advogados que em vez de solução são parte do problema.
Quando se vê criar um 3º Juízo de Comércio em Vila Nova de Gaia a única justificação que se encontra é por já lá estar uma magistrada, auxiliar (?), que tem, aliás, provocado dinamização de processos. Mas, toda a gente que queira saber o sabe, que a “acumulação” vergonhosa já vinha de trás, e, se calhar, facilitou as situações criminógenas, ou pelo menos equívocas, hoje em apreciação nas Varas Criminais do Porto, e estas, pelos “riscos de contágio”, levaram a uma completa paralisia.
Acresce que este Tribunal tem uma área de intervenção que abrange todo o tecido empresarial, de Espinho à Póvoa (Matosinhos, Gaia e Maia, p.ex.), ou seja, as zonas de maior desenvolvimento comercial e industrial, o que, em tempo de crise, seja de estrutura societária seja de situação económica e financeira, leva a que estes estejam assoberbados. E daqui os problemas de real inércia ou de verdadeira paralisia com as suspensões de deliberações ou angústia no ressarcimento dos colaboradores e credores, pela delonga na liquidação, verificação de créditos, rateios, etc.
Pensamos que mais sério, até pelas intervenções mais amplas que a reforma do C.S.C. veio acrescer na competência do tribunal, seria, neste caso, manter os dois juízos de Vila Nova de Gaia e criar um outro tribunal em Vila do Conde ou na Póvoa, que se ocupasse (e já tinha muito com quê) dos problemas de tão especializada natureza, das comarcas de Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa, p.ex, alargando a área de competência dos actuais Juízos à comarca da Feira. É que aqui, nesta, os problemas de direito das sociedades (como outros) têm tratamento segundo as “calendas” gregas…!
Como é que, por seu turno, é possível falar-se na exposição de motivos, na criação do 3º Juízo de Família em Sintra quando no articulado da proposta nada se diz! Afinal este 3ºJuízo está criado há cerca de 7 anos no papel e aguarda desde essa altura instalação. Estão caóticos os 1º e 2º Juízos de Família mercê da pendência excessiva e dos atrasos em matérias tão sensíveis quanto estas, ou seja, em matérias de menores e de família.
E o que pensar da Maia, onde o tribunal de execução está, à nascença, bloqueado, pelo atraso na nomeação do titular? Tendo em conta o esvaziamento demográfico do Porto e a capacidade de resposta dos actuais titulares dos Juízos e Secções, e a maior celeridade dos processos nas Conservatórias, admitimos que se encare a extinção de um dos Juízos. Mas, e está pensado como acudir à exponencial subida de população, ainda que só residente, na Maia e freguesias de Matosinhos e V.do Conde? Não seria de prever zonas que pudessem dar resposta imediata, mas com possibilidade de, sem alterar a área geográfica, se permitir eventual e rápido desdobramento?
Em zonas com intensa actividade industrial (por quanto tempo? ou é essa a triste previsão governamental?), com capacidade poluidora acrescida ou grande perturbação no ambiente (ruído,p. ex.), onde a actuação repressiva se faz sobretudo em sede contra–ordenacional, porque não prever um tribunal de pequena instância que, abrangendo várias comarcas, pudesse deixar a jurisdição especializada criminal para o que tem natureza penal? E a ser assim, p.ex., a Maia (onde se situa o aeroporto) necessitaria de um 2ºJuízo de Competência Especializada Criminal (apesar das apreensões de droga e imigração ilegal), ou vai, a curto prazo, ter que se encarar um 3º Juízo.
Criam–se mais Juízos de Pequena Instância ,p.ex., no Porto: porquê, se se está a incentivar a “mediação” e a dever fazer apelo à criação de tribunais arbitrais, designadamente quanto a empreitadas, acidentes de viação e discussão de créditos de valor diminuto? Mais, houve casos de comarcas em que se solicitavam Magistrados auxiliares para recuperar, quando havia muitos processos em que não havia o despacho liminar nos “embargos de terceiros”, assim denominados ao tempo, não se proferira o despacho a sustentar ou mandar subir recursos processados por apenso ou em separado, inventários parados há meses na fase da “reclamação”, apesar de serem situações com mais de ano, e terem sido objecto de inspecção recente (exemplos: Matosinhos; Tomar, p.ex.)
A pendência, por vezes, é “visual e psicológica”: como encara o magistrado empossado um volume de 30 cms de altura num só processo, se tiver ao lado um de 4 centímetros? E se daqueles 30 cms, 10 ou 15 forem dos apensos que estão terminados ou devem subir?! Mas, para isso tem que os ler!! No tempo em que magistrados e funcionários (competentes) se tratavam com hierarquia e respeito, o Magistrado era informado dos processos e apensos que estavam a necessitar de tramitação, analisavam a informação e separavam o “trigo do joio”…!
Como se pode exigir celeridade se, no mais simples dos processos simples – como é o de inventário – estes chegam a pender mais de 3 anos, ainda que mais de 1 seja para anuir ou corrigir a “forma” dada pelas partes, na comarca de Vila Nova de Gaia? Porque se não exige aos advogados que saibam elaborar correctamente a relação de bens e encarem a fase da reclamação como um momento em que, além do conhecimento jurídico, prevalece a noção da “provisoriedade dos juízos sobre factos”, para não se atropelar direitos, sabendo que, depressa e bem, há pouco quem?
Como é que se pode admitir que, por exemplo, em Sintra ainda não exista um juízo de execução. No articulado da proposta nada se diz, apesar de na exposição se abordar a criação “a breve trecho” de um juízo de execução em Sintra. Mais a mais, o silêncio é ensurdecedor quando o próprio Ministro da Justiça visitou aquela Comarca em Setembro último e prometeu para Julho deste ano a criação desse juízo. Esta proposta é feita para vigorar a 1 de Setembro. Onde é que fica, então, o cumprimento da palavra e da promessa feita?
Como é que se pode dizer – e a Ordem também o disse – que a 9ª Vara Criminal de Lisboa pode ser plácida e tranquilamente extinta quando, neste preciso momento, tem vários mega-processos distribuídos e processos já com julgamento iniciado de extrema complexidade que por certo ultrapassarão 1 de Setembro próximo? Será porque o Tribunal da Boa-Hora começava finalmente a dar vazão aos processos? Será que se quer agora afundar aquele tribunal criminal? Porque se mexe no que bem funciona e não se altera o que mal está?
E talvez por isso o Conselho Distrital de Lisboa, reunido em Plenário na data de 26 de Abril do corrente deliberou manifestar o seu repúdio pela extinção casuística de Varas e Juízos de competência especializada, designadamente o 4º Juízo do Tribunal de Família e de Menores de Lisboa e os 4º e 5º Juízos do Tribunal do Trabalho de Lisboa que constam das medidas urgentes propostas pelo Governo, o que conduzindo à redução e extinção de meios e recursos disponíveis fará aumentar as pendências traduzindo-se num agravamento da crise da Justiça. Acresce que, a implementação das medidas de extinção propostas, se revelam desenquadradas pela falta de estratégia e de clareza de objectivos, em face do próprio projecto de revisão do mapa judiciário em curso, designadamente nas suas vertentes e objectivos de especialização de competências e de promoção da celeridade processual.
Em síntese, nem sequer se trata de um remédio, quanto muito é um mero paliativo. Continuamos na senda de medidas "avulsas e pequeninas". O sistema necessita de algo mais profundo e radical. Nova gestão ou nova organização, nova gente ou novas mentalidades, novos equipamentos ou novas instalações.
Com o que existe, não vamos lá. E com o que se perspectiva não chegamos a lado algum. Enfim, mais um remendo que sabe a pouco e não tapa nada!
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