domingo, 12 de outubro de 2008

"Portugal não está preparado para a liberalização dos despedimentos"

Deixo ficar aqui excerto da entrevista que dei ao Jornal Vida Económica:

Ricardo Nascimento, da Associação Jurídica do Porto, não tem dúvidas

"Portugal não está preparado para a liberalização dos despedimentos"

Não serve de nada os trabalhadores estarem "amarrados solidamente aos seus lugares nas empresas, seguros, com normas que os protegem muito, se estas estão em situação difícil", afirma Ricardo Nascimento, vice-presidente da Associação Jurídica do Porto, em entrevista à "Vida Económica". Apesar disso, refere o jurista, "Portugal não está preparado para a liberalização dos despedimentos", pois isso criaria incerteza, instabilidade e abusos por parte dos empregadores que teriam "um exército de reserva de desempregados" que usariam a seu bel-prazer. Ademais, tal traria o "colapso da Segurança Social e outros problemas sociais graves, aumentando o preocupante sobreendividamento das famílias que deixariam de poder fazer projectos de vida".

Vida Económica - Publicou em Maio o livro resultante da sua tese de mestrado com o título "Da Cessação do Contrato de Trabalho - Em Especial por Iniciativa do Trabalhador", o tema que mais o apaixona no Direito do Trabalho. Como vê as medidas de simplificação da cessação do contrato de trabalho que o Governo quer introduzir no Código do Trabalho?

Ricardo Nascimento — Parecem-me bem. Acho que a agilização e a simplificação do procedimento disciplinar é uma medida positiva. Vamos ver como é que, depois, na prática, as coisas se vão processar, porque a entidade patronal agora pode dispensar a prova arrolada pelo trabalhador e isso pode ser potenciador de maior conflituosidade e litigiosidade.

A medida em si, como foi anunciada, parece-me correcta. Mantém-se a obrigatoriedade da nota de culpa, acompanhada da comunicação por parte do empregador ao trabalhador, mas elimina-se o carácter obrigatório da instrução, ficando a audição das testemunhas arroladas pelo trabalhador para sua defesa ao critério dos empregadores e isso é que poderá ser gerador de alguns conflitos.

VE - Diz no livro que a segurança no emprego "constitui uma importante referência jurídico política". Ora, o Governo recuou na proposta do despedimento por inadaptação. Alguns juristas diziam mesmo que a medida podia ferir o princípio constitucional da segurança no emprego. Partilha dessa posição?

RN - Partilho. Acho que avançar pela inadaptação funcional do trabalhador podia dar azo a algumas arbitrariedades e abusos por parte das entidades patronais, que poderiam aí arranjar um expediente para contornar o princípio constitucional da segurança no emprego e dos despedimentos sem justa causa, que são princípios estruturantes do Estado de Direito democrático.

VE - Então, o Governo fez bem em recuar?

RN — Sim. Até há quem diga que a proposta estava lá para retirar, não sei se seria assim... Agora essa medida era muito perigosa, não a via com bons olhos, embora tudo isto tenha sempre de se contrapor com as exigências da sociedade actual, da globalização, com o problema da precarização da produção, da deslocalização das unidades produtivas para vários países de mão-de-obra mais barata.

E é preciso ver que não há emprego sem empregadores e a solidez das empresas também dá segurança no emprego. Mas quanto à segurança no emprego, que - continuo a dizer - é um princípio estruturante, constitucional, acho que Portugal não está preparado para a liberalização dos despedimentos. Isso seria o colapso da Segurança Social e criaria um exército de reserva de desempregados que seria usado a belo prazer pelos empregadores. Infelizmente, Portugal continua a apostar na mão-de-obra desqualificada, barata...

VE - Apesar de se fazerem constantes apelos à qualificação, à formação, à inovação.

RN - Sim, apelos, mas isso não é a nossa realidade, como sabemos. No nosso país continua a apostar-se em mão-de-obra barata e desqualificada. Muitos empresários encaram a formação como um custo e não um investimento.
Todavia, não adianta de nada colocarmos o cinto de segurança se o avião está prestes a despenhar-se. E connosco passa-se da mesma forma. Não adianta os trabalhadores estarem amarrados solidamente aos seus lugares nas empresas, seguros, com normas que os protegem muito, se as empresas estão na situação difícil que estão.

E eu sinto isso na minha prática de advogado. Pois nestas alturas sentimos um aumento dos despedimentos colectivos; das extinções de postos de trabalho; as empresas procuram-nos para insolvências; para reestruturar as empresas através da renegociação de contratos; têm muito cuidado com o controlo de custos; com a admissão de novos trabalhadores; etc.
Na verdade, o Direito do Trabalho é o barómetro da situação económica e social do país.

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