quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Lei Quadro de Política Criminal

Realizou-se ontem por iniciativa da AJP o jantar-debate sobre a nova Lei Quadro de Política Criminal. O Dr. Rui Pereira, Coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal explicou de forma muito clara e que aqui resumo, que o objectivo do Governo é que os órgãos de soberania assumam as responsabilidades que a Constituição lhes atribui em matéria de segurança e prevenção da criminalidade. Só assim, pode haver julgamento democrático das opções tomadas no âmbito do policiamento e do combate ao crime, das quais depende a defesa dos direitos fundamentais.
Os cidadãos passam a saber, por exemplo, se é dada prioridade, na prevenção, na investigação e no exercício da acção penal, ao homicídio, ao tráfico de drogas, ao terrorismo, à corrupção ou ao fogo posto. Isto sem prejuízo de todos os restantes crimes serem perseguidos, contendo até as resoluções, para melhor o garantirem, orientações sobre a própria pequena criminalidade.
As resoluções serão aprovadas pela Assembleia da República de dois em dois anos, por maioria simples. As orientações delas constantes vinculam o Governo, o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal e implicam uma adequada distribuição de recursos humanos e materiais.
As resoluções, explicou o mesmo Dr. Rui Pereira, não isentam quaisquer crimes de procedimentos ou sanções e respeitam o princípio da legalidade, a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público. Esta é salvaguardada porque competirá ao Procurador-Geral da República emitir orientações gerais e aos magistrados avaliar, em concreto, cada promoção processual.

Após esta apresentação, o debate foi riquíssimo, começando com o Dr. Mouraz Lopes que teceu alguns breves comentários sobre a importância desta lei quadro e da discussão efectuada na sua elaboração.

De seguida, o Dr. Rui da Silva Leal, Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, criticou contundentemente esta nova lei e o Bastonário Lopes Cardoso, com uma das melhores intervenções da noite, alertou para o perigo de estarmos a violar de forma grave os princípios da igualdade e da legalidade, tratando erradamente e de forma "desfocada" com igual valor, o princípio da oportunidade. O pragmatismo que está por detrás desta lei, não poderá negar o direito ao direito, a administração da justiça tem de tratar com igualdade os cidadãos que a ela recorrem. Por outro lado, em sua opinião esta não é uma lei de política criminal, mas sim uma lei de procedimentos de investigação, que circunscreve os mecanismos de actuação do MP.

No campo das dúvidas, levantaram-se ainda os problemas de inconstitucionalidade que poderão ser suscitados com a transferência de competências do Governo para a Assembleia em matéria de definição das grandes linhas da política criminal. A discussão teve ainda participações do Dr. João Rato, Dr. Pinho, Dr. Joaquim Gomes, Dr. Luciano Vilhena Pereira e do Dr. Pedro Albergaria, sendo que este último, entre muitas outras coisas levantou o problema já apontado pelo ilustre Prof. Costa Andrade, de que nunca se deveria avançar com uma lei-quadro da Política Criminal sem a criação de um Instituto de Criminologia que nos dê um retrato do tipo de criminalidade e as respostas de como actuar. Outra opinião apresentada para reprovação desta lei prende-se com a necessidade de clarificação da posição do Ministério Público na sua relação com os órgãos de polícia criminal e, em segundo lugar, com o facto de a lei poder ser aprovada por "maioria simples" no Parlamento - e não por maioria qualificada.

O Dr. Rui Pereira de forma muito segura e objectiva, fechou o debate tentando esclarecer todas as dúvidas que foram levantadas, explicando que na génese desta lei foram ouvidos os diferentes representantes dos profissionais forenses e que o projecto foi remetido a todos os doutores em direito. Concluindo que esta lei cria critérios uniformes e precisos na definição das prioridades da investigação criminal.

Acontece que, não obstante o excelente discurso e as explicações fornecidas, fiquei (e falo por mim e não em nome da AJP) com muitas dúvidas se esta definição de “prioridades” não poderá abrir caminho à interferência do poder politico no poder judicial. Fiquei também com reservas em relação ao problema de violação do princípio da igualdade, pois efectivamente acho lamentável que a escassez de meios, leve a que se tenha de se definir quais os processos que são importantes durantes dois anos (prazo que pode ser insuficiente para concluir muitos deste processos), passando a haver processos de primeira e de segunda. Fiquei realmente com dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma que parece ir contra o princípio da legalidade (a cada crime corresponde um processo). E, existe face à opção tomada o sério risco de poder passar a haver milhares de processos não considerados prioritários que vão ficar à espera, podendo as provas desaparecer ou em alguns casos os processos podem mesmo prescrever. Ironicamente, os delinquentes passarão agora a saber que tipo de crimes deixam de ser prioritários na investigação criminal. Por fim, enquanto advogado, como é que vou explicar aos meus constituintes as prioridades políticas?

1 comentário:

Anónimo disse...

Caros amigos, dei de caras há tempos (um ou dois meses, no máximo) com uma referância a uma sentença em que um juiz de 1ª instância condenava na sanção de inibição de conduzir, mas limitava o cumprimento às horas não coincidentes com o horário de trabalho do arguido, permitindo-lhe, pois, conduzir no exercício das funções profissionais. Estou, entretanto, farto de tentar localizar tal referência; alguém terá visti isso?