Realizou-se ontem no Clube Literário do Porto a tertúlia promovida pela AJP sobre LITERATURA E DIREITO que achei muitíssimo interessante.
Sendo eu um ex-livreiro (trabalhei na Livraria Leitura durante o curso e estive na organização de feiras e mercados do livro) e um bibliófilo confesso, gostei muito da análise efectuada de que o elemento teleológico da literatura e do Direito é uno: melhorar a qualidade de vida do homem, pois ambas permitem tornar mais útil a própria existência humana.
Por outro lado, como foi testemunhado pelos convidados a prática judiciária é uma boa fonte de inspiração para a criação literária. A linguagem dos processos é normalmente muito seca e omite muito do que deles se vive. Há imensas histórias que merecem ser contadas e desenvolvidas, tendo presente que num processo temos sempre diferentes versões, as neutras, as facciosas, as disparatadas, as inteligentes, etc. e isto é riquíssmo para que se transformem experiências de vida reais, em experiências ideais, para que da realidade se passe à ficção.
Como todos os profissionais forenses sabem, um processo nunca espelha a verdade inteira, nas palavras de António Arnaut, a verdade na lide forense "é uma virgem ausente vestida com sete mantos de cores diferentes, e nenhum deles a desnuda, porque sob a última veste, a mais íntima, há ainda uma poalha translúcida, uma tortura de névoa, que é como um vento esquecido e cúmplice". Daí que o mundo dos tribunais tenha sempre seduzido os escritores, vejam-se as magníficas obras produzidas por Aristófanes, La Fontaine, Rabelais, Vitor Hugo, Dostoievsky, Camus, Kafka, Gil Vicente, Camilo, Eça, Aquilino, entre tantos outros.
Outra das conclusões inevitáveis desta tertúlia e que importa realçar é que o jurista deve ser entendido como um especialista do saber global, como referia o Prof. Baptista Machado. A sua formação passa necessariamente por um conhecimento tão vasto quanto possível da natureza humana.
Para os operadores do Direito e da Justiça, tão importante quanto a leitura e os estudos dos códigos, das doutrinas, da jurisprudência e da teoria jurídica, são a leitura e o estudo de obras literárias, consagradas ou não, pois nelas estão retratadas a essência, a natureza e a condição humanas, o que é essencial para aqueles que pretendem fazer valer, de facto, a Justiça e o Direito.
Nenhuma forma de realidade é independente, tudo se relaciona de algum modo e a Literatura releva para o auto-conhecimento do jurista, para a formação das suas pre-compreensões, para um aperfeiçoamento do seu sentido crítico e da sua capacidade de análise quanto à realidade que o circunda.
Em conclusão, acho sinceramente que a fórmula desta tertúlia é para repetir e que foi uma noite muito bem passada.
2 comentários:
Parabéns à AJP por mais uma excelente iniciativa.
Gostaria também de felicitar pela óptima tertúlia, continuem o bom trabalho. Cumprimentos, Patrícia Correia
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