Texto do Dr. Pedro Cruz, enviado à lista Ciberjus, cuja publicação neste blog o autor gentilmente autorizou e com o qual estou pessoal e inteiramente de acordo: "(...) Quanto a mim os Juízes não devem fazer greve por razões particulares, por mais legítimas que sejam. Não, apenas, por serem titulares órgãos de soberania, como tem sido referido, mas porque correm o risco de serem vistos como partes (reivindicadoras), assim caindo do seu pedestal, de independência e autoridade, onde deveriam permanecer. Não sei se a dessacralização da figura o juiz é útil ou, pelo contrário, desnecessária e perigosa. Sei que, a ser feita, não o deve ser desta maneira. Receio que, neste caso, os juízes tenham engolido o isco. Com prejuízo para o seu prestígio e mesmo autoridade, acabaram por deixar que lhes fosse enfiada a carapuça de simples funcionários públicos privilegiados que, alheados da situação de crise que o país atravessa, reivindicam a manutenção a todo o custo das suas benesses e mordomias. Os juízes deveriam ter-se resguardado, coordenando efectivamente a sua estratégia e actuação com os magistrados do M.P., com os advogados e mesmo com os funcionários judiciais. Imaginemos a seguinte estratégia alternativa: - Os magistrados do M.P. e os funcionários judiciais fariam a greve, divulgando-a o mais possível… Mas não ficariam em casa. Nas mesmas datas organizariam umas quaisquer jornadas de debate ou formação, não deixando de destacar pessoas para assegurarem os serviços mínimos e para, à porta dos tribunais, explicarem ao cidadão, utente ou convocado, as razões da greve, lamentando sinceramente os incómodos causados. - Os juízes, gravemente, quiçá em conferência de imprensa, em prime time, na sequência de congresso ou assembleia, e de audiência com o P.R., manifestariam a sua total concordância com a luta dos colegas do MP e a sua grande preocupação e indignação pela forma injusta, acintosa e inaceitável com que têm sido tratados pelo Governo. - Acto contínuo, o Bastonário e a O.A. reiterariam a preocupação dos juízes, salientando que o Governo deveria dedicar-se a resolver as questões prioritárias na Justiça, que muito convenientemente têm sido mais ou menos esquecidas. - Na medida em que tal fosse possível, o CSM – alguém com boa presença frente às câmaras –, afirmaria também a sua preocupação com o estado da justiça e com o mal-estar dos magistrados. - Noutra altura, mais tarde, tb em prime time, os juízes explicariam, muito bem explicadinhas, as razões pelas quais deixaram e deixariam de pactuar com as situações inadmissíveis que se passam nos tribunais: falta de salas, falta de material e de condições de trabalho, excesso de processos, etc. - Entretanto, a TVI, que gosta de escândalos, seria discretamente convidada para fazer reportagem(s) em algumas secretarias e salas de audiência, mostrando, p.e., a selva de processos, as cassetes usadas nas gravações e a qualidade destas, as dificuldades em iniciar as teleconferências e as despesas respectivas, relatando um ou dois casos, que abundam, da dificuldade ou impossibilidade dos cidadãos pedirem justiça em virtude do montante obsceno das taxas de justiça (eu próprio poderia indicar alguns), ou a indignação de uns quantos exequentes. - A Associação Sindical poderia, até, encomendar a alguma agência de criativos uma campanha de propaganda, discreta mas incisiva e objectiva, de divulgação das principais carências nos tribunais e, em contraponto, dos sucessos apesar de tudo obtidos. Nessa altura, comentadores lúcidos, independentes e demolidores, como, p.e., António Barreto, VPV, J P Coutinho ou Pacheco Pereira, não deixariam de dar o seu contributo para, como tanto gostam, enterrar o ministro e a sua política. Outros, rapidamente se associariam, em coro. O PSD e o CDS, como não poderia deixar de ser, acabariam por cavalgar a onda, assumindo politicamente a indignação. Nessas circunstâncias, o Alegre candidato presidencial (pelo menos ele), provavelmente, também. Acossado pelos jornais e pela opinião pública, o nosso primeiro trataria de salvar o prestígio do governo, substituindo o desastrado ministro (não seria a primeira vez…), para sacudir a água do capote, atribuindo-lhe a autoria e o odioso da política de afrontamento, enterrando-a, passando a aparecer como uma vestal dedicada ao(s) templo(s) da Justiça e aos seus sacerdotes. Em suma, a voz unida de todos aqueles que lidam profissionalmente com a justiça poderia lançar em descrédito uma política perigosa e inteligente, executada por políticos medíocres. Este ministro, que se encheu de ridículo na luta contra os polícias, tem (aos olhos do público que se alheia destas coisas) saído a ganhar na luta contra os magistrados… Eu, se fosse juiz, preocupava-me e ficaria desgostoso, como o Dr. João Gomes de Sousa (texto infra citado). Eu, como advogado e humilde servidor da Justiça, preocupo-me e cada vez estou mais desgostoso e com vontade de bater a porta. A greve do juízes deveria ter sido guardada como meio de luta a usar nos combates mais decisivos que porventura se advinham e onde venham a estar em causa, directa e inquestionavelmente, questões como a independência do poder judicial, etc., não deixando os juízes de aparecer, sempre como defensores desapegados e abnegados, do interesse exclusivo dos cidadãos." Pedro Cruz |